DIÁLOGO ENTRE MEISHU SAMA E O SENHOR MUSEI (I)

No dia 21, o quarto dia do Culto da Primavera, Meishu-Sama ouviu com viva atenção, por cerca de uma hora, o desempenho, pelo senhor Musei Tokugawa, do episódio Hozoin Dojo, da obra Miyamoto Musashi, de autoria de Eiji Yoshikawa. Após o término da preleção, Meishu-Sama, acompanhado de sua esposa, entrevistou-se, cordialmente, com o senhor Musei, a pedido deste. O texto que se segue é a súmula da entrevista.

Sr. Musei: Prazer em conhecê-los!

Meishu-Sama: Pois não. Foi ótima! Sua interpretação possui um sabor diferente das narrações que se ouvem por aí.

Sr. Musei: Receio, porém, que o meu trabalho não seja apropriado para as pessoas do sexo feminino.

Sra. Okada: Não, senhor. Pude compreender muito bem…

Meishu-Sama: O Sr. Yoshikawa também é um fiel antigo. Fico contente por vocês dois se entrosarem.

Sr. Musei: Este trabalho é algo parecido com uma disputa com o autor: se o original e o intérprete se equilibram, tudo bem; mas caso este não chegar aos pés daquele, então é a derrota.

Meishu-Sama: A sua interpretação estava excelente. O senhor Yoshikawa, certamente, ficaria satisfeito.

Sr. Musei: Dias atrás, tendo ele terminado de construir um salão em Okutama, convidou-me a fazer uma apresentação naquele recinto. Aceitei, quando me disse jamais ter ouvido, pessoalmente, uma interpretação minha. Da Sociedade de Mestres Famosos da Mitsukoshi, foram o senhor Bunraku, contador de anedotas; na ausência do Sr. Fumikichi — cantor de pequenas peças — foi a Sra. Koume, a dupla de comediantes Senta e Mankichi Regal e eu. O Sr. Yoshikawa ficou muito satisfeito, e disse que eu estava liberado para interpretar o Musashi, sem que fosse preciso pedir-lhe permissão a cada vez. A Sociedade dos Mestres Famosos da Mitsukoshi é composta somente de gente perfeitamente habilitada na arte do entretenimento tradicional e de pessoas que alcançaram o grau de mestres depois de — como se diz usualmente — terem-se submetido a um rigoroso aprimoramento. Sou apenas eu quem tem índole de vigarista…

Meishu-Sama: É isso que é bom! Não se pode virar comerciante. Tudo que faço é por amadorismo, nada tendo de profissional. O senhor poderá comprovar o que falo, indo a Hakone e vendo o jardim de pedras que fiz. Dizem que os profissionais que o viram ficaram indignados, querendo largar a profissão. O motivo é que as pedras empregadas naquele local estavam ou de costas, ou de ponta-cabeça: pelo que afirmaram que seu uso, pelos padrões convencionais, era inusitado. Isso também é maravilhoso!

Sr. Musei: Seria, então, por não se enquadrarem em moldes, não? Afinal, os moldes não são tudo neste mundo… Haverá coisas que não precisam se encaixar neles.

Meishu-Sama: Qualquer coisa morre se for encaixada em moldes. Como pratico caligrafia, certa vez manifestei minha intenção de aprender esta arte com um mestre. O que um calígrafo me aconselhou, então, foi que desistisse da ideia. Ele me explicou que os profissionais estavam presos a moldes, e que a agrura de seu trabalho estava em como romper com eles. Disse-me que não importava se as letras fossem um pouco diferentes, se o número de seus pontos ou traços fosse de mais ou de menos. “O importante — disse-me — é dar vida à personalidade“. Bem, deve-se convir que há pontos inexplicáveis pela lógica nessa asserção…

Sr. Musei: Tomemos um exemplo: a anedota Nedoko, hoje contada pelo Sr. Bunraku. Esta peça foi concluída após ter sido burilada e polida por repetidas e repetidas apresentações. Em contrapartida, minhas peças são obras grosseiras e incompletas, não obstante eu considerar a questão fundamental da narração…

Meishu-Sama: Seu trabalho é excelente: afinal, a questão é da alma. Em síntese, transmite a alma de Musashi. Por mais hábil que seja o narrador profissional, a impressão que se tem é outra: existe apenas a forma, não há alma. Eu não acredito que Musashi seja um mero mestre de artes marciais. Ele pintava, não é? E suas obras são excelentes.

Sr. Musei: Tem razão, não é um mero mestre de artes marciais. Dias atrás, o Sr. Yoshikawa deu-me um rolo Hahacho, pintado por Musashi. Inicialmente, parecia não mostrar-se muito satisfeito com o fato de que algo por ele escrito fosse interpretado. Talvez pelo receio de que o original sofresse alguma alteração. Porém, recentemente, ele disse-me que eu interpretasse, à vontade, as obras de sua autoria. Assim, veio trazer-me especialmente o rolo pintado por Musahi, dizendo que não só ele, mas que também eu deveria ser dono de tal peça. É uma pintura magnífica, que comprova a fama de Musashi. Tem dignidade.

Meishu-Sama: Pois não. Também vi, outro dia, pinturas de Musashi. São extraordinariamente boas. Atingindo-se determinado nível em algo, isso é válido para tudo.

Sr.Musei: Diga-se que, do ponto de vista do pintor profissional, são obras estranhas. Mas muitos não conseguem pintar daquele jeito.

Meishu-Sama: Não serão muitas as imitações?

Sr. Musei: Sim, parecem ser muitas.

Meishu-Sama: Em se tratando de obras famosas, as imitações são muitas, não? Acresce que, às vezes, a imitação é melhor que o original.

Sra. Okada: Na Mitsukoshi existem ótimas reproduções por impressão, não é mesmo?

Sr. Musei: As reproduções de obras executadas a tinta nanquim têm muita classe.

Sra. Okada: A impressão foi feita pela Kogei-sha?

Sr. Musei: Sim. As obras executadas a nanquim, por exemplo, é impossível de se discernir se são verdadeiras ou imitações. Dias antes, ganhei uma carta de Issa, à qual não dei muito valor, já que a obtivera de graça. Pensei que não passava, afinal, de imitação. Todavia, ao mostrá-la a um antiquário versado em Issa, disse-me ele ser uma peça legítima. Duvidei, pois ninguém daria um original gratuitamente. Verificando bem, constatei tratar-se de uma obra impressa… Nessa ocasião, fiz a descoberta examinando a peça durante o dia!

Meishu-Sama: Em se tratando de Issa, possuo eu duas peças de sua autoria. Acho que uma delas é a pintura de uma codorna ou algo parecido. No outono, mostrar-lha-ei em Hakone.

Sr. Musei: Quero sem falta ser honrado com essa oportunidade.

Meishu-Sama: Musashi deve ter sido amplamente instruído por Takuan, não é?

Sr. Musei: Bem… A época é a mesma. Deixe-me ver, será? Não seria de estranhar se isso estivesse escrito, mas não há histórias de um intercâmbio entre os dois. Porém, mesmo sem Takuan, penso que ele teria se tornado um grande homem.

Jornal Eiko, nº 98

4 de abril de 1951