IMPRESSÕES DIVERSAS SOBRE AS ARTES ORIENTAIS (IV)

Sendo que, no momento, tínhamos a escrever sobre as artes nipônicas, vejamos, a seguir, as chinesas. Em se tratando de Arte chinesa, deve-se abordar, indiscutivelmente, com primazia, a porcelana, em segundo lugar, os bronzes, vindo a pintura em terceiro. Nessa ordem, passemos à porcelana. As peças de cerâmica e as de porcelana parecem ser um dos mais antigos ramos da Arte da China, produzindo-se, antecipadamente, há quatro mil anos, objetos de considerável valor. Dentre tais peças, restam, hoje, aquelas denominadas cerâmica Anderson. Foram elas trazidas à luz pelo pesquisador de mesmo nome — o que lhes valeu o nome. Felizmente, logrei adquirir um grande vaso deste tipo, estando ele em exposição no nosso museu. Como os senhores poderão averiguar, é realmente inacreditável que, em idade tão remota, uma peça de semelhante gabarito tenha sido produzida. A Arte da porcelana chinesa começou, efetivamente, a desenvolver-se no espaço de tempo entre as Seis Dinastias e a dinastia T'ang. Neste período, especialmente, produziram-se peças excelentes de louça colorida. Tais obras recebem o nome de louça tricolor de T'ang, sendo características por seu formato, sua técnica e combinação de cores. São de considerável beleza. À parte, existem peças de colorido azul esverdeado, chamadas de peças de esmalte verde. Também estas são apreciáveis, sendo que o nosso museu possui um incensário tubular rajado[1] desse estilo. Há, ainda, as peças de cerâmica produzidas nos fornos de Yuechou. São estas de um colorido cinza-claro, mesclado de marrom, volumosas, produzidas com uma técnica relativamente requintada. Na entrada da quinta sala do nosso museu existe um grande vaso Keito[2], peça do período inicial dos mencionados fornos. Sob todos os pontos, trata-se de uma obra excelente, não encontrando parelha no mundo inteiro. A seguir, produziram-se as peças dos fornos de Ju[3]. São elas de cor de zinabre puxado a azul; a técnica nelas adotada, de baixo-relevo, não pode ser desprezada. Temos, ainda, no nosso museu, um vaso de flores com o formato de uma jarra para vinho, considerado uma obra representativa do gênero. Sua evolução deu-se na porcelana verde resedá. As peças produzidas inicialmente, na dinastia Sung, sejam pelo seu colorido, sejam pela sua técnica, deixam-nos abismados por sua excelência. É impossível sofrear a emoção provocada pelo fato de se ter produzido, há oito ou nove séculos antes, tais peças de artesanato. Constitui mesmo um tipo de mistério. A porcelana verde-resedá, em decorrência de sua vasta ramificação, é um gênero que, talvez, não conte com pessoas capazes de realizar uma verdadeira classificação. Eu mesmo solicitei a estudiosos e especialistas desse campo que me fizessem a avaliação de semelhantes peças. Todavia, as opiniões divergiam conforme quem as examinasse, tornando-se impossível chegar a um veredito definitivo. Diante dessa divergência, pode-se deduzir quão difícil é a tarefa.

No entanto, as mesmas classificam-se, grosso modo, em porcelanas produzidas nos fornos de Hsiu Nei Su, Hsiao T'an, Lung Ch'uan (Kinuta, Tenryuji e Sichikan) e outros. Dentre elas, as de Hsiu Nei Su, Hsiao T'an e Kinuta são julgadas as melhores. Outrossim, no caso de ser dificultoso discernir o gênero da peça, ela é tida como produzida pelos fornos imperiais. Há, no nosso museu, várias peças de primeira categoria: pelo consenso geral o grande turíbulo trapezoide de porcelana verde-resedá é, sobretudo, considerado o primeiro do mundo. Ficando por aqui no que diz respeito a esse tipo de porcelana, examinemos aquela produzida pelos fornos de Chün, da dinastia Sung. Desse gênero, são poucas as peças existentes no Japão, mas, dentre elas, muitas já vinham sendo transmitidas, há muito tempo atrás, e eram extremamente adoráveis: seu sabor é diferente das verde-resedá. Entretanto, no tocante a esta variedade, a coleção de "Sir" Eumorfopoulos, do Museu Britânico, prima tanto pelo número quanto pela qualidade. Não obstante, a travessa, pertencente a nosso museu, é tida como peça de primeira qualidade, sem rival em todo o mundo.

Existem, além do mais, entre as peças finas, produzidas na época da dinastia Sung, as dos fornos de Ting. Existem as Ting alvas e as negras. Estas são raras, aquelas são, na maioria, pratos e congêneres, sendo raríssimas peças de três dimensões. Nesse sentido, a galheta exposta na terceira sala de nosso museu constitui peça de categoria mundial. Trata-se igualmente, de peça rara a jarra d'água[4] que se encontra na mesma sala. No Japão, existem dois ou três exemplares somente. Outro gênero de porcelana excelente da dinastia Sung são as peças de Chu Lu[5] (ainda conhecidas como kakiotoshi). Também estas existem em número reduzido, mas neste país, acham-se os melhores espécimes do mundo. São eles o grande vaso decorado com dragões, do acervo do famoso Museu Hakutsuru; o grande vaso decorado com flores, de propriedade do senhor Goryu Hosokawa; e o vaso decorado com borboletas e peônias, do acervo de nosso museu. São também do referido período as peças denominadas Ying Ch'ing (porcelana azul-claro). Parecem-se com as do tipo verde-resedá, sendo donas de uma beleza difícil de descartar. O prato de tamanho médio com flores de lótus em baixo-relevo, do acervo do nosso museu, trata-se da melhor peça encontrada no Japão.

Acabei de discorrer, resumidamente, acima, a respeito da porcelana, durante o período que tem a dinastia Sung por núcleo e se estende até a dinastia Yuan. Com o início da dinastia seguinte, Ming, verifica-se, repentinamente, um vertiginoso avanço. Fazendo a ultrapassagem dos acontecimentos para o Japão, é possível estabelecer um confronto entre o desenvolvimento artístico ocorrido durante a evolução da era Heian para a Kamakura — equivalente à dinastia Sung —: é aquele verificado entre os períodos Ashikaga e Momoyama, por sua vez, correspondente à dinastia Ming. A porcelana chinesa deste período diverge completamente da das dinastias Sung e Yuan. As peças destas duas dinastias, sendo simples e leves em essência, trazem um refinamento nobre. Em contraposição, o estilo da dinastia Ming, florido e suntuoso, tomou o feitio popular. Ademais, enquanto as características principais da porcelana da dinastia Sung estão no formato, no relevo e no elemento monocrômico, como se vê nos gêneros verde-resedá, Chün, Ju e Ting, a porcelana da dinastia Ming produziu seguidamente obras deslumbrantes, por não só terem adquirido uma forma engenhosa, mas por sua pintura decorativa ou seus arabescos, como é o caso das peças de ornato azul e as de ornato vermelho. São as peças do tipo brocado, do tipo ornato vermelho Gosu, do tipo Hsüan Te[6], ou do tipo ornato vermelho Wan Li, todas grandemente apreciadas. Sobretudo as do gênero brocado da época Chia Ching são o que há de melhor: o vaso de flores em forma de cabaça e a garrafinha triangular, do acervo do nosso museu, são obras finíssimas, raramente vistas. As peças modernas, produzidas posteriormente, são boas, como as dos períodos T'ieu Ch'i, K'ang Hsi, Yung Cheng e Ch'ien Lung; porém, quando cotejadas com as obras da dinastia Ming e anteriores, prendendo-se em demasia à técnica, são tidas pelo senso geral como superficiais e pouco atraentes.

Além das louças, outra modalidade de arte chinesa tida mundialmente em alta consideração são os bronzes. Tratam-se estes de obras produzidas há três mil anos, nos períodos Yin (Shang) e Chou. Sua técnica refinadíssima constitui um verdadeiro milagre. É mesmo difícil acreditar ter sido possível fazer peças tão magníficas em tempos tão remotos! O mais intrigante é que, conforme as Eras fiquem mais recentes, ou seja, Ch'in, Han, Sui, T'ang e Sung, a técnica regride gradativamente. Todos são unânimes em reconhecer o mistério que é o fato de somente as belas-artes caminharem em sentido inverso ao da cultura. Os bronzes chineses concentram-se nos museus ingleses; no Japão, são encontrados, principalmente, nos museus Hakutsuru, Sumitomo e Nezu.

Tratemos agora da Pintura. A Pintura chinesa — em semelhança com a porcelana — tem seus melhores exemplares na era Sung. As obras deste período são excelentes, destacando-se por completo das demais épocas. Na modalidade monocromática a tinta nanquim, primam, sobretudo, os pintores Mu Hshi, Liang K'ai, Yen Huei e Ma Yüan, dentre outros. Como existem peças de renome de autoria de Mu Hshi, Liang K'ai e Ma Yuan no nosso museu, os senhores já devem ter verificado que foram executadas com uma arte quase que sobre-humana, e que o vigor com que foram pintadas não admite que a arte japonesa as reproduza. Em se tratando da pintura policromática, deve-se citar as obras do imperador Hui Tsung, tido como o primeiro do mundo. A seguir, Ch'ien Shun Chu é também considerado um grande mestre. A melhor obra do imperador Hui Tsung encontrada no Japão será com certeza a de propriedade do Barão Inoue, que retrata um pombo pousado num galho de pessegueiro em flor. Outra obra famosa é o retrato do rei Huan Ye, de autoria de Ch'ien Shun Chü, do acervo do Museu Ohara. Curiosamente, dentre os grandes artistas deste período são numerosos aqueles que pintaram um único tipo de peça em toda sua vida. Os famosos são Ji Kuan, com suas uvas, Yin T'o Lo, com seus monges, Li An Chung, com suas codornas, Pan An Jen, com seus peixes, Hsu Hsi, com suas garças, e T'an Chih Jui, com seus bambus, além de outros.

Jornal Eiko, nº 170 — 20 de julho de 1952

[1] Incensário tubular rajado: estojo tubular para incenso.

[2]  Grande vaso Keito: vaso Tenkei.

[3] Peças dos fornos de Ju: segundo as teorias recentes, são peças produzidas nos fornos Yaotyo.

[4] Jarra d'água: refere-se ao vaso decorado com flores de lótus.

[5] Peças de Chu Lu: fornos de Tz'utyou.

[6] Tipo Hsüan Te: refere-se à porcelana de ornato azul Hsüan Te.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *