VENDO A EXPOSIÇÃO DE PICASSO

Tendo outro dia ido a Tóquio, ouvi dizer que uma exposição das obras de Picasso estava sendo realizada na loja de departamentos Takashimaya. Considerando a ocasião oportuna, fui até lá para ver e escreverei, agora, as minhas impressões. Depois de uma primeira circulada, quedei-me abismado. Julgava eu próprio que, em vista de se tratar de um grande mestre como Picasso — de quem se deve dizer que é uma enorme existência de caráter mundial —, a exposição seria decerto algo maravilhoso. Ademais, comentava-se muito bem a respeito: nos jornais os críticos eram unânimes em seus elogios. Assim, minha expectativa era considerável, levando-me a contemplar atenciosamente as peças expostas. Não obstante, devo confessar que, por mais que visse, menos entendia. Sendo fiel na descrição do que senti, digo que, primeiramente, me perguntei se aquilo era pintura. Afinal, onde está a Beleza? O que há de apreciável naquilo? Haveria alguém que experimentaria deleite em decorar com aquilo uma sala? Assim, por mais que cogitasse, nada podia compreender.

Para ser franco, questionei-me onde estaria a alma, como pintura, daquele colorido berrante e geométrico, que mais parecia desenho de uma criança. Por ter sido um grande artista como Picasso quem pintou, sem dúvida deve haver algo em algum lugar. Contemplei fixamente suas obras, com o intuito de investigar o estado psicológico do autor, indagando-me a respeito de qual fora o seu objetivo. Não obstante, meus esforços foram em vão. Quanto às suas figuras humanas, o que vi foram olhos, narizes, bocas e troncos quasimodescos, membros ora torcidos, ora feitos aos pedaços. Posso estar empregando uma comparação cruel, mas aquilo eram cadáveres de vítimas de atropelamentos ou de uma explosão atômica. E digo que não serei o único a achar assim. Sinto imensa compaixão do grande público, ao qual foi impingido ver tamanho despropósito. Talvez ninguém tenha entendido coisíssima alguma, ainda que visse tais quadros consciente de estar frente a frente com um Picasso, bem diante de uma obra-prima de renome mundial. Todavia, apenas sentindo estar diante de peças, sem dúvida, maravilhosas, ninguém deve ter captado o que era bom e o que era ruim nelas. Como se diz usualmente, a maior parte das peças não passou de pérolas lançadas aos porcos — o que, aliás, talvez nenhuma outra pessoa hoje, no Japão, diga assim, tão direta e sinceramente. Acredito ser somente eu. Ficando por aqui no que diz respeito à pintura, passemos às peças de cerâmica. Embora fossem um tanto quanto excêntricas, irradiavam um não sei quê, como um sabor da época, dinâmico e penetrante, difícil de se desprezar. Apesar disso, a mim me quer mesmo parecer que as obras dos novos ceramistas japoneses da atualidade são superiores.

Por que, então, tais obras de Picasso são alvo de louvores em nível mundial? Há um motivo e tanto. Para elucidar esse fato, é preciso, antes de mais nada, começar pela discussão da Educação atual. Hoje, como acontece nos demais países, a Educação Artística vem sendo tratada com um enorme descaso. Como todos sabem, primeiramente, na Escola Primária, os alunos são ensinados a fazer desenhos, trabalhos de argila e brinquedos de madeira simples. Do ginásio em diante, ensina-se alguma coisa de Pintura Ocidental, como esboços, e o que se mostra aos alunos são ou modelos já batidos ou pinturas executadas pelo professor. Depois de se formar, se a pessoa não é alguém com profundo interesse pelas Artes, o que ela vê, geralmente, são ilustrações de jornais ou os quadros pendurados nas salas de visitas dos conhecidos. Fora isso, seu contato com a Arte, durante um ano, resume-se a uma ou duas críticas lidas nos jornais ou a uma visita a algum museu, a convite de um amigo. É possível, portanto, afirmar que quase não se possui um conhecimento artístico na verdadeira acepção. Ademais, indivíduos que se relacionam com as Belas-Artes, como os especialistas e diletantes, ainda que queiram saciar seu apetite, não encontram, no Japão de hoje, órgãos aptos a contentá-los. Assim, supondo-se que algum deles quisesse agora ver, de qualquer maneira, obras-primas da Pintura antiga e moderna, tal desejo seria impossível. Ao contrário, em se tratando de peças famosas da Pintura Ocidental, o japonês pode apreciá-las à vontade, caso vá ao exterior, em virtude de lá existirem museus completamente aparelhados. Desta maneira, a realidade é que, com respeito à Arte Oriental, ou seja, às pinturas chinesa e japonesa, não se tem acesso a ela, a não ser a uma mínima parte. De fato, existem museus e galerias particulares, mas, nos primeiros, a tônica está nos fatores histórico e arqueológico. Do ponto de vista artístico, seu conteúdo é fraquíssimo. Se o estrangeiro quiser apreciar a Arte antiga nipônica e se dirigir a um museu, sou forçado a acreditar que, na maioria dos casos, ficará decepcionado, perguntando-se se aquilo é que é Arte oriental. Além do mais, como durante o ano inteiro os museus expõem as mesmas peças, é mínimo o número de seus visitantes, somente indo vê-las aqueles que — mesmo japoneses — têm um motivo muito especial. Reconheço que, nos museus, a Arte budista, e somente ela, é encontrada satisfatoriamente, existindo neles peças magníficas em profusão. Todavia, para o leigo — que é a figura principal — há insuficiência de pinturas ou de outras obras artísticas facilmente compreensíveis e que lhe estimulem o interesse. Dessa maneira, é completamente inviável despertar o grande público para uma visão artística. Assim, por mais rico que seja o histórico de determinada obra de arte antiga, se ela é apresentada como um livro didático, que se devesse ler com vincos na testa, ninguém se sentirá à vontade para apreciá-la com deleite. Consequentemente, jamais crescerá o número de indivíduos familiarizados com a Arte. É mister, portanto, estudar amplamente este ponto. Ademais, desnecessário frisar que, como a Arte antiga também constitui objeto de orgulho para a Nação, deve-se não apenas ter apreço por ela, como, ainda, arranjar meios de conservá-la muito bem.

Temos, além disso, os museus de Arte de propriedade privada, os quais realizam em Ueno, na primavera e no outono, variadas exposições com o intuito de apresentar seu acervo artístico ao público. Neles, tomando-se apenas as obras de Pintura, constatamos não somente serem extremamente numerosos os quadros japoneses de Pintura ocidental, como também o fato de não terem saído eles do território da imitação do Ocidente. Pouquíssimas são as obras que merecem ser vistas com cuidado. Entrementes, no que concerne à pintura japonesa, esta se encontra em estagnação, podendo-se dizer que a maior parte das suas peças permanece nos limites da pintura a óleo, na qual se empregaram pigmentos nipônicos. Ademais, os grandes mestres, pela sua posição, caem no dilema de estarem impedidos de acompanharem a moda, de um lado, e, de outro, de não obterem o reconhecimento do público, com o emprego dos seus métodos tradicionais. Tal fato transparece perfeitamente nas suas obras. Até o outono do ano passado, nunca deixei de comparecer às exposições dessa estação, porém, este ano, por não sentir vontade, acabei por não ir. A tal ponto, perdi o interesse em ver essas obras.

Este é o registro das minhas impressões fiéis acerca da Arte nos dias de hoje. Como se pode ver, por não receber — no sentido verdadeiro — educação artística, a capacidade do japonês contemporâneo de apreciar as Artes é praticamente nula. Desta maneira, ele julga que certa peça é boa, por ser essa a opinião alheia. Em vista de os jornais elogiarem desbragadamente um artista, ele é levado a acreditar que este é maravilhoso. Invade as exposições por considerar que, se a elas não acudir, ficará por fora da moda. Verifica-se, nesse fato, justamente o que acontece com os filmes que são sucessos de bilheteria: um tipo de efeito advindo da popularidade. Neste sentido, é possível afirmar que tanto Matisse quanto Picasso constituem existências grandemente agraciadas na atualidade.

Como foi exposto, a Educação Artística — o elemento mais deficiente do atual sistema educativo — deve ser amplamente incentivada. Ademais, tal aprendizado corroborará para o cultivo do pacifismo. A visão artística é o ideário comum da humanidade, e, no futuro, dever-se-á proceder intensamente a um intercâmbio de obras de arte em âmbito internacional, o que, outrossim, surtirá um grande efeito na prevenção do comunismo. Neste sentido, eu julgo que se deve incentivar grandemente, em nível social, a Educação Artística, elevando o interesse popular pelas Artes. Além disso, caso o interesse artístico, até hoje propriedade exclusiva das classes privilegiadas, seja ampla e igualmente difundido entre as massas populares, esse fato será um considerável empreendimento social, o que ainda irá constituir um estímulo para o artista. A sociedade, tornando-se apta a avaliar corretamente essas obras, proporcionará que os círculos artísticos levem a cabo um desenvolvimento sadio. Somente desse modo surgirão, infalivelmente, neste país, obras-primas de nível mundial. No que tange a tal colocação, penaliza-me hoje o fato de as obras de artistas atualmente vivos, como Matisse e Picasso, serem badaladas no Japão. Ao meditar nisso, desejo veementemente que, um dia, o mais breve possível, as obras dos artistas japoneses, expostas nos Estados Unidos e na Europa, sejam alvo de grande algazarra.

Finalizando, pretendo escrever um pouco sobre um assunto particular. Trata-se dos museus de Hakone e de Atami, atualmente em construção. O de Hakone tem sua conclusão prevista para até o verão do ano vindouro. Escusado dizer que o seu principal objetivo reside — como já foi anteriormente exposto — em suprir a deficiência da Educação Artística, por intermédio do cultivo intenso de uma visão artística em todo o indivíduo japonês. Em vista disso, planejo expor peças que sejam compreensíveis ao público em geral e, concomitantemente, reunir obras de primeira categoria, de modo a satisfazer as mais prementes exigências dos especialistas. Naturalmente, a tônica será posta na Arte oriental, com a seleção das obras-primas dos grandes mestres de cada época — da Antiguidade até a atualidade, visando-se, assim, a um conteúdo bem rico. No momento, o seu alvo foi focalizado no japonês, mas, futuramente, pretendo tornar ambos grandes museus dos quais nos possamos orgulhar perante o mundo inteiro, fazendo deles o símbolo dos sonhos dos profissionais, dos diletantes e do grande público de todos os países do Globo.

Jornal Eiko, nº 35 — 19 de dezembro de 1951

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