A CALIGRAFIA

Assim como gosto de pintura, gosto de caligrafia também. Como sabem os senhores, diariamente faço algumas centenas de peças caligráficas. Em termos de volume, sou eu aquele que mais produz desde a Antiguidade, no Japão. Escrevo, por hora, quinhentas peças do ideograma Hikari (Luz), destinadas à confecção de protetores. Escrevo, ainda, em trinta minutos, no mínimo cem peças com dois ou quatro ideogramas para quadros ou rolos. Como sou demasiadamente rápido, torna-se preciso que três homens me coadjuvem. Mesmo assim, eles não conseguem acompanhar-me. É um serviço que corre como em linha de montagem.

Há tempos, solicitei a um professor de caligrafia os seus préstimos. O motivo é que eu sentia certa dificuldade com relação à escrita cursiva, tendo a pretensão de saber mais a seu respeito. Ao explicar meu objetivo ao professor, ele respondeu-me o seguinte: "Desaconselho o senhor a fazer tal trabalho. A caligrafia aprendida enquadra-se em determinados moldes, sendo despojada de personalidade. Os caracteres assim escritos não têm vida. Sua forma, somente, é bela, mas nela não existe conteúdo. Hoje, eu próprio luto desesperadamente para romper com essa forma. Por isso considero que alguém como o senhor deva manifestar, de forma liberta, a sua personalidade. Na escrita cursiva, é de ínfima importância se um traço está faltando ou sobrando." Convencido, desisti do aprendizado.

É fato aceito que os antigos detêm superioridade tanto na pintura quanto no artesanato artístico. O mesmo acontece na caligrafia. Toda vez que vejo peças caligráficas antigas, eu me emociono. Gosto sobretudo dos trabalhos escritos em kana: a habilidade neles presente jamais poderá ser imitada pelo homem contemporâneo. Verdade é que tal notoriedade provém, entre outras razões, do fato de as pessoas das épocas idas terem vivido folgadamente a se comprazer com a composição e a escrita de poemas, livres das agruras do cotidiano e das preocupações sociais. Como calígrafo moderno, cujas obras em kana não ficam a dever às dos antigos, poder-se-ia citar, talvez, apenas Saishu Onoe. Dentre os antigos, eu gosto, primeiramente, de Michikaze, Tsurayuki, Sadaie, Saigyo e Koetsu. As obras deste último, sobretudo, deixam-me com água na boca. Entre os poetas do gênero haikai, a letra de Basho possui características apreciáveis, e sua pintura, além de tudo, comparada com a de pintores profissionais, nada fica a dever. Pode-se deduzir, por este fato, que aquele que prima em certo ramo das artes atinge um nível elevado também nas demais áreas.

No que toca à escrita de caracteres chineses, nem é preciso mencionar Wang Hsi Chih ou Kukai. Como calígrafos da modernidade, San-yo, Kaioku, Takamori e Tesshu são consideráveis. Diga o que se disser, no caso dos ideogramas chineses, a personalidade fala mais alto que a técnica. Assim, a caligrafia dos grandes homens inspira respeito, ainda que a forma seja tosca. A explicação espiritual para o fato seria a seguinte: na caligrafia, a personalidade do seu autor encontra-se impressa. Assim, pela constante contemplação de uma peça caligráfica, recebe-se a influência da personalidade de quem a executou — neste ponto reside a nobreza da caligrafia. Portanto, uma peça da referida arte não possui valor caso não tenha sido executada por um grande homem, alguém dono de um grande caráter. Eis o motivo de ser aconselhável às gestantes realizarem a educação fetal por meio da contemplação de obras de caligrafia de grandes homens. Digo, a meu respeito, que a caligrafia assume um papel de suma importância na minha técnica de salvação, porque ela desempenha um grande feito. Todavia, por esta explicação ser por demais mística, tratarei dela em outra obra. Limito-me, agora, somente a comentar acerca da arte caligráfica.

Opiniões Pessoais, 30 de agosto de 1949

 
 

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