A RESPEITO DA ARTE CALIGRÁFICA

Tendo lido a dissertação de Egawa — quem sempre dá vida à presente publicação, com sua ótica singular e os seus textos de estilo leve — sobre a caligrafia e a religião, senti-me também eu estimulado a discorrer a respeito, conforme me afluíssem as ideias.

A caligrafia, como foi bem observado pelos antigos, consiste na expressão do caráter de seu autor, por meio do pincel. Assim sendo, os trabalhos caligráficos dos grandes homens, monges de elevada virtude ou intelectuais, são objeto de elevada consideração. Curiosamente, a caligrafia está ligada por laços indissolúveis à Cerimônia do Chá. A esse respeito, tendo a oportunidade de ler anteriormente o diário de reuniões de chá de Rikyu, constatei que, apreciando ele as peças de caligrafia antiga de grandes monges, sempre as pendurava no tokonoma, em tais ocasiões. Eventualmente, há o registro de se ter pendurado um rolo de pintura, mas esta estava restrita às obras de Mu Hshi. As mencionadas peças de caligrafia antiga são de autoria de monges budistas virtuosos da China, os quais viveram na época compreendida entre as dinastias Sung e Yuan. Dentre tais peças, existem aquelas que foram escritas após seus autores terem adquirido a cidadania japonesa, sendo também tidas em relevante consideração as obras de monges zen-budistas do Japão. Enumerando os monges de fama, teremos, primeiramente, Daito-Kokushi, fundador do Templo Daitoku; Mugaku-Zenshi, fundador do Templo Engaku; além de Muso-Kokushi e Soen. Os monges chineses e que se naturalizaram japoneses: Engo, Mujun, Mokorin, Seisetsu, Kido, Gottan, Daikei, Kisoseki, Jijo, Ondanko e outros. Dentre todos, minha preferência fica com Daito, Mujun e Soen. Quando contemplo as peças caligráficas dos mencionados monges, impressiona-me a sensação de algo de sublime que não admite ser profanado, quer os ideogramas estejam escritos com maestria — naturalmente — quer não. É a nobreza extravasada do caráter do autor.

 Tem-se, a seguir, embora sob uma perspectiva diferente da acima abordada, as obras de caligrafia das várias gerações de abades do Templo Daitoku. Tratam-se também de peças bastante apreciáveis. Distinguem-se, sobretudo, as obras de autoria de Ikkyu. Verdade é que são bem primárias, contudo, ao não se deixarem tolher pela forma, por não serem nem um pouco pedantes, aparecem perfeitamente nelas a ingenuidade e a franqueza, a beleza sem artifícios da personalidade de Ikkyu. Fato interessante é que, apesar de existirem muitas peças falsas de Ikkyu, dá-se logo por isso, em virtude de estarem por demais bem escritas. As obras de Takuan, também, são ótimas. Nestas, além de a técnica ser bem superior, há energia. Na inexistência do sentimento de ostentar o estado de quem atingiu a iluminação, pressente-se a nobreza deste monge da seita zen. De resto, há coisas dignas de se ver entre as obras de Seigan, Kogetsu e Gyokushitsu. No tocante à caligrafia dos samurais, a escrita de Masashige Kusunoki é extremamente bela, sendo, ainda, de razoável beleza a de Hideyoshi e Ieyasu. Recentemente vi em certo lugar a caligrafia de Kukai. Trata-se de uma escrita apreciável, em que há suavidade, porém não faz muito jus ao conceito de que comumente goza. Na modernidade, a caligrafia de Tesshu Yamaoka é interessante. Seu estilo livre e arrojado é digno de alta avaliação. A escrita de Ichiroku Iwaya, outrossim, possui elementos que não podem ser desprezados. Todavia, a de Ryokan suplanta a todas. O estilo de sua escrita é supramundano, elegante e gracioso; leva mesmo quem a aprecia a sorrir. Ademais, como calígrafo profissional, a escrita de Kaioku Nukina é belíssima. Certa vez vi um biombo de seis folhas escrito por ele. Cada uma das folhas trazia uma linha escrita. A perícia do seu estilo pôs-me admirado.

Escreverei agora, concisamente, a respeito do campo dos manuscritos antigos. Dentre estas obras as que mais me agradam são as de autoria de Ki-no-Tsurayuki. Foram escritas com kana do tipo man-yo. Dotadas de uma classe e de uma maestria indescritíveis, enchem-nos de respeito. São ainda apreciáveis as peças de Michikaze e Saigyo. As escritas das quais mais gosto são as destes três. De resto, têm pontos admiráveis a caligrafia de Yukinari, Sadaie, Sukemasa, Yoshitsune, Toshinari, Kintou, Toshiyori e a do príncipe Munetaka. Como bons exemplares da escrita feminina citarei Kodaino-kimi e Murasaki Shikibu. Das pessoas atualmente vivas, a escrita de Saishu Onoe é boa, e eu gosto, também, de seus poemas. Hoje, concluirei o assunto por aqui.

Jornal Eiko, nº 111 — 4 de julho de 1951

 
 

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