A RAZÃO DO DESAPARECIMENTO DOS GRANDES MESTRES (III)

Ao se realizar o exame das causas do que foi exposto, depara-se com o fato irrefutável da debilitação da saúde dos pintores. A tal fato, acrescem problemas de ordem econômica. São, grosso modo, estes dois fatores. Abordando a questão a partir do seu primeiro tópico, deve-se afirmar que o consumo de carne, ao qual a raça branca está habituada há muitas gerações, não lhe é pernicioso, mas que o mesmo não é válido para os japoneses. Escusado dizer que os ancestrais do povo japonês consumiam, quase que essencialmente, vegetais, mas com o início da era Showa — entre as era Meiji e Taisho, nem tanto — o consumo de carne aumentou extraordinariamente. Como é do conhecimento geral, depois do término da guerra, sobretudo, a alimentação carnívora, auxiliada pelo complexo étnico, difundiu-se, bem como o hábito de beber leite ganhou grande popularidade.

Quero relatar aqui a minha experiência vegetariana. Quando eu tinha dezoito anos, a tuberculose que me afetava, há mais de um ano, agravou-se, levando, afinal, certo médico afamado a revelar que eu iria morrer. O desespero pelo qual fui tomado fez com que eu procurasse alguma forma de salvação, tendo eu descoberto, fortuitamente, que, para tal, o vegetarianismo era adequado. Assim, ao me submeter, por três meses, a um regime constituído exclusivamente de vegetais, restabeleci-me a passo acelerado da moléstia, tornando-me mais saudável do que antes do seu aparecimento. Na ocasião, dentre outras coisas, percebi, por meio de meu físico, que eu adquirira acentuadamente maior tenacidade. Ao mesmo tempo, como naquela época eu pintava mais ou menos por diversão, notei a diferença da força do pincel. Antes, eu tremia e não conseguia traçar, por exemplo, as linhas como desejava. Passei, porém, a poder pintar conforme a minha intenção, de um fôlego só. Desde então, comecei a julgar que os artistas carecem imensamente do vegetarianismo. Atribuo a falta de impacto das obras dos pintores hodiernos a tal motivo, por eles não conseguirem expressar seus traços como pretendem.

Hoje em dia, é suficiente ficar um pouco conhecido para que o padrão de vida melhore e, com isso, a alimentação penda para o lado da carne. Ademais, passa-se a dar mais atenção à saúde, recorrendo-se logo ao médico por causa de qualquer doença à toa, a qual, em outros tempos, era deixada de lado. Não só essa terapia consiste em um método que mina a saúde, como também, ao seguir os conselhos do médico — que prescreve muito cuidado e cautela — o indivíduo torna-se doentio, vivendo o ano inteiro cheio de medo e, consequentemente, sem energia. Esse estado vem a influir na obra, transparecendo na extrema fraqueza e falta de impacto dos quadros de tal artista. Não é estranho, pois, que artistas assim, ao ficarem famosos, morram precocemente. Sem dúvida, a razão está aqui. Contrapondo-se a tais obras, temos a pintura antiga da China e do Japão. As peças de pintura e caligrafia até hoje valorizadas como obras-primas têm como seus autores, principalmente, monges budistas da seita Zen. Eles se submeteram a um regime inteiramente vegetariano e, em vista da rígida disciplina que seguiram vinte e quatro horas por dia, tiveram sua personalidade lapidada e sua força espiritual robustecida; o que se manifesta perfeitamente em suas obras. Talvez por eu as apreciar consciente desse fato, tomo uma atitude de reverência maior diante do seu elevado e vigoroso senso. Outrossim, quando vejo obras grandiosas como as mandalas búdicas, sempre tomo um susto com a tenacidade que exigiram do artista.

No que tange ao segundo tópico, ou à questão de ordem econômica, deve-se notar que na sociedade atual é inexequível dedicar-se com exclusividade e tranquilamente à atividade pictórica, à maneira dos antigos. Se não se tomar cuidado, é perigoso até passar fome. As preocupações oriundas daí não são brincadeira, além do fato de não mais existirem mecenas, como outrora. Por terem os antigos senhores feudais, aos quais sobravam tempo e dinheiro, protegido os artistas, conquanto eles criassem boas obras, foi natural que se produzissem ótimas peças. Desnecessário lembrar que isto foi um incentivo imenso às artes japonesas. No que toca a este ponto, julgo que podemos agradecer muito aos senhores feudais. Como é do conhecimento geral, a partir da era Meiji, o Instituto de Artes tornou-se o pilar do mundo da pintura nipônica: como era de se prever, por detrás da instituição havia dois esplêndidos mecenas: os senhores Goryu Hosokawa e Tomitaro Hara. Este é falecido, e aquele não pode mais atuar como antes, em virtude da mudança da época — o que é irremediável. Depois deles, não apareceu mais ninguém assim, fato esse que deve ser um dos motivos da estagnação recente da pintura de estilo japonês. Eles, além do mero poder econômico, possuíam profundo conhecimento artístico e praticavam a crítica, além de realizarem as orientações pertinentes. A interação de todos esses acontecimentos em muito contribuiu para que se criassem obras-primas naquela época.

Creio ter-me feito compreendido pelo que foi exposto, dando este assunto por encerrado.

Jornal Eiko, nº 92 — 21 de janeiro de 1953

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